1 de novembro de 2006

RETALHOS POÉTICOS



INFÂNCIA

RETALHOS E SONHOS

Minha avó Maria fazia colchas de retalhos
E eu menina espiava admirada
E cortava os pedaços de tecidos
E os empilhava por tamanhos
Mas gostava mais dos vermelhos
Alegres
Coloridos...
De tanto espiar
Aprendi a lida
De cozer meus panos
De colecionar retalhos
Enquanto empilho meus sonhos
De todos os tamanhos
Cada qual mais lindo
E realizo todos
Mas prefiro os vermelhos
Alegres
Coloridos...


AQUI E O ALHEIO
Um dia ficamos de castigo
Meu irmão e eu
Porque fomos espiar
Com os ouvidos colados à parede tosca
Do barraco da Maria Branca
E da Maria Preta
Não sabíamos quase nada sobre elas
Mas eram comadres (e prostitutas)
Nós crianças não entendíamos direito o que era isso
Mas de uma coisa sabíamos:
Como cantavam bem,
Sempre em dueto
Por isso não resistimos
E fomos ouvi-las de perto
A canção falava de amor
De abandono e de dor
Era tão linda e triste
Que se misturava com a tristeza
E com a pobreza da nossa infância...
Ainda hoje
Sei cantar de cor
A tal canção.


INCOMPARÁVEL TEMPO
Nasci em berço de ouro
Mas pro Bandeirante
Vim menina pobre
Franzina
De pés descalços
Sadia pra brincar na chuva
Escorregar na lama
E disputar campeonatos
Menino x menina
De pipa e de finca
Que os KIDS de hoje
Talvez não gostem
Ou não conheçam
Realizados que estão
Nos FAST FOODS
A devorarem o
“MacLanche Feliz”



MEU DESPERTAR
Cedinho, cedinho
Meu pai vinha sorrateiro
E colocava o rádio de pilha
Ao meu ouvido
E eu fingindo,
Mantinha os olhos cerrados
Só para tê-lo
Mais tempo ao meu lado.
Hora de acordar
Dia de ir à escola
A voz dele
Chamando baixinho
Meu nome
Era mais doce
Que o cantar do
Bem-te-vi
Que saudades
Do meu pai
E da melodia
Do meu despertar
Da infância...



NUCLEO BANDEIRANTE/57
Menina direita
De família pobre
Mas decente
Não podia ultrapassar limites
Freqüentar qualquer lugar
Ou falar com qualquer pessoa.
Ir para os lados do “Alto da Mercedes”?
Nunca!
Chegar perto de casa de rapariga?
Nem pensar!
Mamãe não deixava.
Aliás, mamãe não deixava quase nada
Só estudar, ir à venda
Buscar água na mina
Fazer feira
Costurar
Ir à missa do Padre Roque
Brincar de roda
E ver a boiada passar…


CONSCIÊNCIA DO SER
Desde criança
Por questão genética
Ou por outras razões
Sempre estive fora do padrão
Para surpresa ou tristeza
De muitos
Nunca fui dada a restrições
Imposições, limites
Sempre gostei de fazer
Comer ou viver por prazer
Deu no que deu
E daí?
Que me perdoem as magras
E flácidas
Digam o que quiserem
Sou mais eu,
Feliz e exuberante...


MARCAS DO PASSADO
Nunca fomos dados a ostentação
E a superficialidades
Nem podíamos...
Mas como me custava mudar de casa
Naquela época.
Eu queria tanto mudar
Em caminhão fechado…
Mas, não!
Era de carroça,
Sempre de carroça.
Ai, meu Deus, que triste!
Tínhamos muitas coisas velhas
E feias
Que nem se usam mais:
Estrados, ripas, Filtro São João
Máquina de moer carne, torrador
Moinho, ferro de brasa, trouxa de roupa
Bacias, panelas sem cabos, lamparinas e
Colchões!
Ai, meu Deus, os colchões...
Eu não queria ir em cima da carroça
Ao lado dos colchões expostos
Com marcas de xixi.


MAIS QUE CACAU
Meu pai tinha vergonha
De me abraçar
E me beijar...
Para ele era difícil
Demonstrar afeto
Mas quando escondia os braços
Atrás de si
Para me fazer surpresa
Meu coração era festa
E eu, rainha...
Por isso, até hoje
Para mim
“Diamante Negro” é muito mais
Do que delícia
Muito mais
Do que cacau
É uma serenata de amor
São os abraços
E os beijos
Do meu pai
Depositados
No meu coração...



PERDAS E CICATRIZES


ORIGENS
Quando ele se foi
Me joguei nos seus braços
Me agarrei no seu peito
Cheia de amor
E desespero
E fui descendo
Escorregando
Até o chão
Até o pó
De onde eu vim.
E ele se foi.


DESPEJO
Preciso despejar você
Do meu coração
E tirar de mim
Este fardo de lembranças
E sonhos impossíveis
Doloridos
Que você quando se foi
Deixou para trás
Como livros
Espalhados
Amarelados
Esquecidos…


MORRENDO
Quando me magoa
Mato você
Cada dia um pouco
No meu coração
E você nem percebe...


POVO MARCADO
Ele
Nem se fez de rogado
Ao sair
Me marcou com fogo.
A dor
Hei de esperar
Que ela passe.


REZAS
Ele se foi também
Assim como era
No princípio.
E agora?
Salve Rainha
Mãe de Misericórdia
Por que?
Estou só
Sem mitos
E divindades
Não sei mais rezar
Apenas murmuro descrente:
Santo Anjo do Senhor
Meu zeloso e guardador
Que dor!


INDOMÁVEL CORAÇÃO
Deixei
Meu coração
Nu
Menino
Teimoso
Alçar seu vôo
Célere
Corajoso
Insensato
E caí
Vertiginosamente
Do meu sonho
De amor


APRISIONADO
Dezenas de luas vieram
Enormes, amarelas
Mas nenhuma, juro,
Tão linda e mágica
Quanto aquela.
De tanto buscar-te em vão
Em cada rosto
Na multidão
Abracei-me às lembranças
E chorando tua ausência
Te prendi à parede
E ao meu coração.


REGRESSO
O único retrato seu
Que me restou
E tão pequeno
Ainda assim
Adorna-me o passado
E o coração
Às vezes receio
Que o tempo impiedoso
Desbote a sua imagem
Antes que você volte
Um dia…
Quem sabe?


SALOMÔNICAS
Caí de corpo inteiro
No precipício
Bati de frente
Nada amorteceu a queda
E ninguém ouviu
O grito meu
Tenho feridas ocultas
As que mais doem
Dilacerei-me
Por mim mesma
Buscando um sonho falso
De amor.
Por isso não gritem
Não façam alarde
E nem critiquem o meu sonhar
Não vêem que morri um pouco?
Mas desta parte feia
Esfacelada
Farei o barro da reconstrução
Se com rasgões
Não importa
Certamente mais sábia
Esta mulher serei
Sem medo de tentar
Sem medo de ser feliz.


SOBREVIDA
Sou como lagartixa
Que a cada golpe
Perde uma parte de si
Estremece
Sofre
Agoniza
E não morre
Não morre
Não morre...


ESTRADA PORTENHA
A morte
Desconhecendo o amor
E a esperança
Que dormiam em mim
Surgiu inesperadamente
Na estrada portenha
Abriu os braços
E colheu o meu amado
Assim, de surpresa
Friamente
Sem o mínimo respeito
A mim e aos meus filhos
Como se o Gotte não fosse parte
Da nossa vida
Ainda hoje há uma cratera
Profunda
E escura
Em nossos corações…


ISOLAMENTO

Meu amado se foi
Com pressa
Meus filhos,
Flechas atiradas à vida,
O último a sair
Bateu a porta.
Não vou ficar aqui
Com frio
E nua
Vou vestir minha solidão


CADÊ MEU CARINHO…
Cadê minha mãe
Meu “Leite Ninho”
Cadê seu ombro
Cadê seu colo
Cadê seus retalhos
Seus olhos doces
E o seu carinho?


MEUS ANJOS
Meus anjos
Me espreitam atentos
E vigiam de perto
A minha solidão.
Quando sinto saudades
Dos que perdi e fico triste
Eles me abraçam apertado
E me confortam
E dizem ao meu ouvido
Coisas lindas
Que de lá
Mandaram dizer…
Aí meus anjos me tomam as mãos
E as apertam
E puxam sobre mim o cobertor
E beijam a minha testa
E secam os olhos meus.
Depois sorriem e prometem
Juram até - e de pés juntos -
Que esta dor é bem ligeira
E que a saudade vai passar…


ME REVELO
Fui companheira tua
Até o fim
Mas quando te vi inerte
Nem bonita me fiz para ti
Como gostavas
Apenas fiquei ao teu lado,
Pálida,
Muda,
Assombrada
Contendo o grito
Que não gritei
Comigo, a tristeza
E a saudade
Entrelaçadas
Aninhadas
No meu coração
Sombrio
Trêmulo
Vazio.


TANGO DO SILÊNCIO
Argentina,
Chora também comigo
Toque teus bandonions
E gema teus tangos
Que mais tristes não são
Do que minha vida
Já que levaste
O meu amado
Agora, silêncio
Em respeito à dor
Que rasgou meu peito.


PRESSA
A nossa mãe tinha uma tristeza
Antiga
Mas gostava de nos ver reunidos
Falando, rindo
Brincando à mesa do café com biscoitos
E de ver chegar à casa
Os vizinhos, parentes e amigos do peito
Sempre fiéis.
Tinha uma força e uma fé inabaláveis
Ficava feliz entre os mais pobres
Mendigos e bêbados
A quem alimentava com carinho
E isso era parte do seu quotidiano.
Mas, quando nosso pai se foi
Uma parte dela se foi também
Ela ficou por aqui como quem apenas
Suportava esperar um pouco mais.
Tinha uma tristeza infinita
E uns olhos tão turvos…
Queria uma paz
E um Deus muito mais
Próximos e intensos.
Insistiu, teimosa que era
E foi-se.
Agora está em paz!


ESCONDERIJO
Tenho no peito
Umas dores de amor
Antigas
Tão feias
Fininhas
E ninguém percebe
Também pudera!
Uso sorrisos largos
E batons tão vermelhos...


FAROL
Hoje
Não sei por que
Amanheci
Meio sem rumo
Sem bússola
Sem rota
Como se
Meu anjo
Por pura distração
E mesmo sem querer
Soltasse a minha mão.



RENASCIMENTO


OS EXTREMOS
Nunca gostei
Do lugar-comum
Do meio termo
Do alto do muro
E dos que lá estão.
Não vim para viver a vida
Pela metade
Ficando no meio
No morno
Prefiro o riso
O raio
O risco
O extremo
A decisão
O vermelho
A paixão.


ESCARLATE
Culpa da lua
Que atiçou
Minha fera
Em plena rua
E teu beijo quente
Pura paixão
Tingiu de vermelho
Meu coração.


ÊXTASE
Meus sonhos são tão lindos…
E brancos como gaivotas
Ninguém imagina
A quantas vôo…


FALANDO COM DEUS
Seria demais, Senhor,
Pedir duradoura saúde
De corpo e alma?
E pedir também
Que não se apague
Dos olhos meus a claridade
Pois como devorar meu mapa-mundi
Companheiro inseparável
E depois vislumbrar
Campos e mares tão sonhados?
Seria exagerar, Senhor,
Querer que meu anjo
Além de cuidadoso,
Seja ágil, livre e bem disposto
Pra andar comigo no meu ritmo
Saltar barreiras, correr, cantar
Seguir meus passos andarilhos?
Mas, se bondade te sobrar
Percorre comigo também Tu, Senhor
Este trecho sinuoso dos cinqüenta
Mas, sobretudo, mantém acesa em mim
Esta chama de esperança
E de amor à vida
E esta plenitude de sentir
Cá na terra
O próprio céu.
Amém.


BALANÇO UTÓPICO
Antonio
Sabe me embalar
Tão docemente
Nos seus braços
Que nem sinto
Mais medo
Do balanço
Das ondas
Do mar
E durmo
Feliz
Nua
E em paz
Nos braços do Antonio


GRITO DE ALERTA
Quando eu sair da casa
Dos quarenta
Nada de sair em silêncio
Pé ante pé
Pra ninguém notar
Vou gritar triunfante,
Aos cinqüenta
Ou aos oitenta
Que a vida vale a pena
E a qualquer tempo
E tempo de amar
E ser feliz


PASSAPORTE
Quero minha mala
Sempre à porta
Sempre à mão
Porque posso ir
A qualquer momento
A qualquer lugar
Perto ou longe
Para onde queira
Voar meu coração.


INSONDÁVEIS DESEJOS
Quero mais vida, quero mais sonhos, o provável, o insondável,
o impossível. Quero o céu sempre estrelado, rendado, florido,
tecido no amor.
Quero mais relva, mais seiva, mais reza, um amor, meus filhos,
meus netos.
Quero meu doce, meu queijo, o pôr-do-sol, dama da noite e
bem-te-vi.
Quero sorrir, quero cantar, quero chegar, quero partir.
Quero u'a casinha em Pirenópolis, com varanda e mesa com
café no bule de ágata. Quero um tacho, uma viola, máquina
de costura, lamparinas e varal na banda de fora.
Tudo simples, bem simplesinho. Mas nem tanto! Pensando bem,
estou mesmo é a merecer comodidade. Na casinha simples
quero um gazebo, uma jacuzzi, uma tv e internet banda larga.
Porque eu mereço a vida, a valsa, o ócio, a rede, a sombra e a
cerveja gelada.


DE TETOS E AFETOS
Não tenho casa
Todas as que me foram tetos
Só me foram abrigos
Mas nenhuma foi a minha casa.
Vivo no universo
Não tenho lar
Nem rincão nem país
Minh'alma não é daqui
Não finca raízes
Nem cá nem lá
Minh'alma é nômade
Meu sangue é cigano
Meu corpo é voraz
E destemido
Tortuosos e áridos
São meus caminhos
Minh'alma não se aquieta
Só é feliz quando é livre
E amada
Ah, o amor…
Quando vem tão forte
A música me envolve
A lua me encanta
A paixão me cega
Então eu vibro
Como as cordas
De um violão gitano
Aí eu me transformo
Me visto de vermelho
Perfumo meu corpo
Me enfeito com brincos
Me ponho batom
E fico linda
Cheia de luz
Coberta de vida
E de sonhos.
Mas quando esse amor se vai
Todo o meu coração
É treva
Todo o meu corpo
É saudade
E sofro como andorinha
Pega a bodoque
Sofro
E agonizo
Um tempo longo
Interminável
Até quase morrer
De dor…


SUPREMACIA
Deixei uma fresta
No meu coração
Sábia que fui
Ele percebeu
Entrou
Instalou-se
De pronto.
Me fez rainha
Do céu
Da terra
Do mar
Do azul dos olhos seus.


MEU LUGAR
Tenho uma sede louca
De azul
Não resisto
Preciso ultrapassar limites
Ter tudo por um triz
Alcançar o céu
Ou buscar o mar
Para ser feliz.


MINHAS MÃOS
A brisa do tempo
Pousou
Em especial
Sobre as minhas mãos…
Nem os afagos
Os carinhos
Os gestos de amor
E doação
De que fizeram parte
Foram capazes
De preservá-las
Os meus sonhos
Permanecem jovens
Mas as minhas mãos
Têm exatamente
A idade da minha solidão…


ÂNCORAS
Antonio navega
Dia e noite
Nos meus sonhos
Longe ou perto
Ancoramos
Os corações
Um no outro
Profundamente
Loucamente
E somos um só
Sem medo
Da distância
Das incertezas
Do amanhã


MEU ALTAR
Diante desta máquina
(Meu altar)
Eu me curvo
E costuro
E canto...
Pacientemente
A juntar meus retalhos
A coser meus panos
A sonhar meus sonhos
Lembranças do que vi
Vivi
De quem amei
Perdi…
Enlevada eu me perco
E me encontro
Num repetir solene
Dos gestos humildes
Da minha avó Maria
E toda a sua geração
De mulheres Marra
Guerreiras
Sonhadoras
Parideiras
Corajosas
Costureiras…


FORA DO PADRÃO
Não concordo com os homens
Medrosos e sistemáticos
Que vivam sensatamente
E se resguardem
Dos riscos do amor
De preferência em casa
À frente da TV
Sobre suas poltronas
Com o mesmo chinelo
Pijama e par de óculos
E quando viajarem (a cada dois
anos),
Sigam de carro
Revisado pelo seu mecânico
E cumpram o mesmo trajeto
Até a mesma praia
E molhem (somente os pés)
Na água gelada do mar
Mas eu,
Deus que me perdoe,
Não quero esse homem pra mim.
É que vim para ser assim
Fora do padrão
Mas, feliz
Atirada
Alegre
Intensa
Destemida
Louca por desafios
Amor
Viagens
Mudanças
Encontros
Festas
Vinho
Música
E poesia
Muita poesia
Que a vida
A terra
E o céu
São dos poetas.


ANJO ATEU (ao amigo, Senador Lauro Campos)
Inesperadamente
Passou por mim
Um anjo
Sério, ateu, indignado
Doce, justo e humano
Empunhava sua espada
Sem medo
Contra os abutre do poder
Tão absorta fiquei
A ouvi-lo
E admirá-lo
Que quando dei por mim
Ele se fora como um raio
Riscando o firmamento
E eu fiquei só
Junto à multidão
Dos sós
Mergulhados todos na
Orfandade de sua honradez
E de sua ética.
Um anjo ateu
Passou por aqui, acreditem!
Ainda ouço o eco
De sua voz revoltada
Contra os corruptos
Ainda vejo a luz
Que deixou no seu trajeto…


LIRISMO E OS GIRASSÓIS
Os rudes e os racionais
Eu compreendo
E até perdôo
Mas para amar
Quero alguém
Com alma de poeta
Minha última tentativa
De vôo rasante
Antes que eu me vá.
Quero um ombro de poeta
Macio e terno
Onde eu recoste a cabeça
E braços de um poeta
Que nem precisam ser fortes
Mas que sejam ninho…
Um poeta que me leve a sério
Quando eu falar de chuva
De borboletas
E girassóis
Quando eu sorrir de tudo
Quando eu chorar por nada.
Quero os olhos cristalinos
De um poeta
Que vejam comigo
Além do que se vê
E um coração de poeta
Sem medo
Que compreenda
A profundidade
E a simplicidade
De amar e de ser feliz…


SALVAÇÃO
Tento salvar-me
De mim mesma
Fujo às vezes
Desta sensibilidade
Que me machuca
Tudo em mim
É superlativo
Profundo
Insondável.


CANTO ALADO
Vim de longe
Sem amarras
Sem algemas
Sem juiz
Vim com sede
De lutar
E ser feliz.
Vim teimosa
Para somar
Vim bondade
Vim cantiga
Vim com sonhos
De sonhar
Vim sem medo
Sem dinheiro
Vim com fome
De horizontes
Vim com asas
De voar.


FARISEUS
Vamos deixar de hipocrisia…
Nada de achar escandaloso o que digo
Quem disse que não existe amor eterno?
Tanto existe
Que a maioria de nós
Já o prometeu
E viveu esse amor
Com algumas pessoas…


FALSOS BRILHANTES
Alguns homens que amei me traíram,
Como é de praxe…
Uns mais, outros menos
Cada qual com a desculpa
Que lhe pareceu mais convincente.
Como é de praxe…


TECENDO DESAFIOS
Oh, Deus, que sua bênção
Seja sempre especial
Às costureiras
De mãos calejadas
E olhos de lince.
Que noite a dentro
Pedalam, pedalam
Com pernas cansadas
E sonham os sonhos
De um outro amanhã
Enquanto os filhos dormem
E os maridos
Quando existem
Ressonam...


MAIS ALÉM… MAIS ALÉM
Tenho fome de horizontes
E asas oceânicas
Não resisto ao encanto da busca
Preciso ultrapassar limites
Ter tudo por um triz
Alcançar o céu
Ou buscar o mar
Para ser feliz.


RECOMEÇO
De tudo que gosto
Fiz um pouco
Tive filhos
Plantei árvores
Escrevi um livro
Fui feliz
Amei
Tive amigos
Saúde, emprego
Experimentei
A liberdade
E a rebeldia
Rodei mundo
Mudei de casa
Mais de 30 vezes
Cantei, dancei
Estou realizada.
Já posso morrer?
Que nada!
Salve-se quem puder!
Gosto de tudo muito
Vou esticar a vida
E viver tudo de novo…


VÔO LIVRE
Esta cela não aprisiona
Meu sonho de infinito
Meu desejo de transcendência
Minha fome de dignidade
Vou
Vôo
Livre,
Apesar de tudo.


CONTRASTE
Que ironia
Ou incoerência
Ser defensora da lei
Quando se é rebelde
E se gosta tanto
Da transgressão


ESTRELA-GUIA
A esperança
Sempre foi
A minha irmãzinha
O meu esteio
A minha estrela-guia.


MEUS PASSOS
Cada vez que parto
Cada vez que chego
Cada vez que caminho
em busca de outro lugar
Aí eu me encontro
Nada de algemas, prisões
Não me digam pra ficar
Mais tempo aqui ou acolá
Preciso seguir viagem
Como tropeira, andarilha
cigana ou retirante
Preciso partir sempre
Cada novo passo me revigora
mata a minha sede
E me faz feliz.


AB-NORMALIDADE
De que adianta meu corpo
Quedar-se aqui?
Minh'alma tem alma
De passarinho


Venho vagando há muito
E minha sede de infinito
Não se aplaca: quero voar.

A minha força de andarilha
Ganhei com os percalços do caminho.

Ser verdadeira custou-me
Muitas perdas. Os seres normais apreciam
A falsidade e a mentira.

A dor sempre me pega de jeito...


SOU PÁSSARO
O que me salva é que
sou pássaro
sem gaiola
Sem fronteiras
sem pouso certo
Senão, certamente
Eu iria querer
Desistir da vida
Saltar o muro
E passar daqui
pra lá.


SONHOS AZUIS
Uai, que é isso,?
Por que aperta tanto
Meu peito, coração?
Por que hoje
Você amanheceu assim
Quietinho
Jururu,
Agachado num canto?
Anda, melhora essa cara!
Não vê que é dia
E lá fora há flores
Um sol amarelo
E sonhos azuis
E razão de viver?


BROTANDO GIRASSÓIS
Já nem adubo mais
Meu coração cansado
E mesmo assim
pressinto assustada
que nele
tão frio e árido
hão de brotar
ainda
corajosos girassóis.


CONFISSÃO
Na tua ausência
Estás sempre comigo
Tua presença
É densa
Bela
Palpável
E preenche
O meu coração
Até a borda.


INCAUTO ELEITOR
Esquerda-direita
Esquerda-direita
Esquerda-direita
Preparar...
Fogo!
A “esquerda”
Também sabe
Brincar de direita
Com homens frios
Corruptos e cruéis
E sabe, melhor que ninguém,
Disparar
À queima-roupa
pra dizimar o inimigo
Incauto, eleitor
Pobre, trabalhador…
O trabalhador
Que Deus o tenha!


OLHANDO PARA O ALTO
Quando o cansaço vem
A tristeza chega
O dinheiro some
E o copo transborda
Não me entrego
Rezo
Busco o céu
Bebo estrelas
E canto.


PREMÊNCIA
Se é pra ser feliz
Não sei adiar nadinha!
Por mais que me digam:
Tenha calma
O mundo não foi feito
Num dia só
Me digam
A dor não vem,
De qualquer jeito?
Recebo-a
Não tem remédio…
E a morte,
Não nos espreita
O tempo todo?
Faço que não sei dela
Finjo que não a vejo
E vou vivendo feliz
Fazendo o que me apraz
Escapulindo
Serpenteando pelas trilhas
A me esconder da velha senhora
E engano-a
E amo
E rio
E sonho
E enlouqueço
Mas tudo tem de ser agora
Que não sei adiar nadinha!


GRITOS E GESTOS
Tantos encontros
E desencontros
Vãos amores
Tentativas frágeis
Sombrias
Mas as chagas
Terão valido a pena
Pois nada há de
Tirar-me do peito
A força de seguir
A vontade de cantar.


CONSCIÊNCIA DA REALIDADE
Sábias as lições
Que a vida nos traz
Os amigos
Mesmo os fiéis
Vêm e se vão
Periodicamente
Como os cometas e as marés
Movimentos imperceptíveis
E eternos
De atração
E retração
Mas alguns se perdem
No infinito
E não voltam pra nós.


ENTRANHAS
Nem adianta fugir
Pra sempre tu vais comigo
Pois teu perfume
Que me tirou a calma
Que me virou do avesso
Já impregnou minh'alma.


VAGA-LUME
Ai, que aflição!
Bem que eu queria
Desviar do farol
Fugir dessa luz
Mudar minha rota
Escapar desse amor…
Mas teus olhos me fazem promessas
E são tão castanhos!


SENTIMENTO EM FLOR
A barra do dia
Sempre há de encontrar-me
Noutro lugar…
Sigo o perfume das flores
O rumo do vento
A poeira da estrada
Um sonho, um gesto
Um som, um acorde
Enquanto há tempo.


PROMESSAS
O fevereiro daqui
É sombrio
E a chuva incessante
Umedece a cidade
E encharca
O asfalto, as casas
As roupas
A grama
As pessoas
Dentro de mim
Porém
Ninguém sabe
Ninguém vê
Mas a vida explode
Em profusão
Há sonhos, há cor
Esperança, cantigas
Promessas de amor…


FATO CONSUMADO
No outono dos dias meus
Você chegou
Decidido
Generoso
Inteiro
Intenso
Como quem
Já me aguardava
Pra dividir o céu.
É inverno
Mas nem parece
Você me trouxe a primavera
Ou o verão?
Não sei...
Só sei que respiro flores
E faz sol no meu coração.


ESPELHO FALSO
O que este malvado espelho
Quer que eu acredite
É que o tempo passou depressa
Mas não me deixo enganar
Por seu cronômetro
O que vejo
É u'a menina risonha
Louca por travessuras
A olhar lá fora a rua
Com as mãos espalmadas
No vidro da janela
E olhos marotos
Gulosos
Doida pra fugir de casa
E correr atrás de borboletas…


O MOMENTO
O abraço que quero
Tem de ser hoje
E terno
O beijo que dou
Tem de ser agora
E cheio de paixão
Porque amanhã
Não sei quem sou
Não sei se existo
E se quero…


REFLEXÃO
Vamos estar sempre sós, perdidos em nosso insondável universo.
Como pretender que alguém compreenda os meus mistérios e
anseios, se nem mesma eu sei da vastidão do meu deserto?
Ah, me deixem só, com meus enigmas!


INDIGÊNCIA
Com você sinto-me esquecida, um pouco indigente.
Falo e não me ouves.
Vibro e ficas inerte
Caminho e não me acompanhas
Sonho e permaneces desperto
Poetizo e não lês meu coração
Tenho fome e sinto muito frio quando estás comigo.
Estou indo em busca do meu pão e do meu sol.