19 de abril de 2011

LIVRO DO DESASSOSSEGO -F. PESSOA

Sou duas pessoas: uma calma, que aprecia a contemplação e a paz e outra, inquieta, desassossegada. E, quando mergulho em silêncios e reflexões e alguém me interrompe, o que acontece? Continuo refletindo, mas prejudico a comunicação, na medida em que respondo ao meu interlocutor com palavras-chave e gestos, fazendo-o crer que o ouvi. Pode parecer egoísmo, mas como interromper meu isolamento reflexivo, em que meu pensamento está acoplado à minha alma? Não consigo, estou pensando em outra coisa, estou em outro lugar. É mais forte do que a minha vontade de ser atenta, educada. Quem também se sentia assim? Novamente ele, aquele que não conheci pessoalmente, mas que compreende perfeitamente os meandros da minha alma: Fernando Pessoa! Vejam:

" Assim sou, fútil e sensível, capaz de impulsos violentos e absorventes, maus e bons, nobres e vis, mas nunca de um sentimento que subsista, nunca de uma emoção que continue, e entre para a substância da alma. Tudo em mim é a tendência para ser a seguir outra coisa; uma impaciência da alma consigo mesma, como com uma criança inoportuna; um desassossego sempre crescente e sempre igual. Tudo me interessa e nada me prende. Atendo a tudo sonhando sempre; fixo os mínimos gestos faciais de com quem falo, recolho as entoações milimétricas dos seus dizeres expressos; mas ao ouvi-lo, não o escuto, estou pensando noutra coisa, e o que menos colhi da conversa foi a noção do que nela se disse, da minha parte ou da parte de com quem falei."

Um comentário:

Everton Alves disse...

Acho que sou assim também, as vezes estou conversando com alguém, parece que estou prestando atenção mas não ouvi nada do que a pessoa disse.